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Elias de Lemos (Correio9)
Dom Ailton Menegussi, bispo diocesano de Crateús, no Estado do Ceará, é natural de Nova Venécia, no Estado do Espírito Santo. É filho de agricultores: Pedro Menegussi Sobrinho e Aurora ini Menegussi (ambos in memoriam). Nasceu no dia 05 de novembro de 1962 em uma família grande. Ele é o décimo filho de um total de onze irmãos.
Desde o dia 04 de janeiro de 2014 ele mora em Crateús, onde cumpre a missão que escolheu.
A sede da Diocese encontra-se na cidade de Crateús, abrangendo outros 12 municípios do Sertão cearense.
Nesta entrevista ao Correio9, o missionário fala da sua vida religiosa, da entrega à missão e do trabalho evangelizador.
Correio9 – Como aconteceu a descoberta de sua vocação?
Dom Ailton – Minha trajetória vocacional tem suas raízes fincadas no testemunho de fé de meus pais e irmãos, ou seja, na família. Agradeço a Deus por esse testemunho de fé de toda a minha família. Essa é, sem dúvida, uma das minhas motivações vocacionais ao lado de outras, é claro, como por exemplo, os serviços realizados nas diferentes pastorais das comunidades da Paróquia de São Marcos de Nova Venécia: Santa Rosa do Limão e São João Batista do Córrego das Flores, hoje Paróquia de São Pedro, de Vila Pavão.
Correio9 – Como começou sua atuação na Igreja?
Dom Ailton – Em toda minha caminhada religiosa, alguns momentos ficaram marcantes: na infância e adolescência, a contemplação do presépio e, mais tarde, o fato de ajudar a prepará-lo. Na juventude, o engajamento nas pastorais da comunidade, sobretudo no grupo de jovens e as muitas dramatizações e teatros que realizamos.
Tudo isto contribuiu para o meu discernimento vocacional, bem como o testemunho de tantos padres e irmãs que nos evangelizavam. A decisão de entrar para o seminário foi outro momento muito forte aos 27 anos. É o que se chama de vocação adulta, quase que um pouco tardia.
Antes, porém, dessa decisão, fiz minha formação intelectual, iniciando-a numa escolinha pluridocente chamada Córrego do Limão, com as professoras Eliene Alberti e Ida Campana, tendo também estudado na Escola Fazenda Ziviani, em Córrego das Flores, com a professora Martina Fejoli.
O que hoje se chama de Ensino Fundamental II (5ª a 8ª) deu-se na Escola Polivalente de Nova Venécia e o Segundo Grau (Ensino Médio) no Colégio Estadual, também em Nova Venécia, sendo concluído em 1980.
Antes do seminário, trabalhei como professor concursado na rede estadual por nove anos, em escola pluridocente.
Correio9 – Em qual seminário estudou?
Dom Ailton – Depois dessa experiência, ingressei no Seminário Diocesano João XIII no dia 26 de abril de 1990, na época em Nova Venécia, para o Ano Propedêutico, tendo sido acompanhado pelo saudoso Padre Ângelo Compri. Nos anos seguintes, 1991 -1997, cursei Filosofia e Teologia no Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória, morando sempre no Seminário Diocesano de São Mateus, em Carapina, no município de Serra, na Região Metropolitana de Vitória.
Durante esses anos fui acompanhado pelo Padre Edivalter Andrade, hoje bispo diocesano de Floriano, no Piauí, e por dois anos por Padre Bruno Tonoli (in memoriam). Também me ajudou nesse processo o Padre Karl Pheinhof.
Correio9 – Quando foi ordenado padre e quando se tornou bispo?
Dom Ailton – Em 1998 fui morar e realizar o Estágio Pastoral em Águia Branca, no Espírito Santo. O Padre Egídio Menon foi meu orientador. No dia 30 de maio de 1998, na mesma cidade de Águia Branca, fui ordenado diácono, pelas mãos de Dom Aldo Gerna, então bispo diocesano de São Mateus, e no dia 22 de novembro desse mesmo ano, pelo mesmo Dom Aldo Gerna, fui ordenado padre, no Ginásio de Esportes Getúlio Martins, em Nova Venécia.
De Águia Branca fui encaminhado para a Paróquia de Montanha-Mucurici-Vinhático, no Espírito Santo, no início de 1999 e de lá para São Mateus, no início do ano 2000. Desta vez, para ajudar como Vigário na Paróquia da Catedral de São Mateus e assumir o serviço de Reitoria do Seminário Propedêutico João XXIII.
Após quatro anos, fui designado para a reitoria do Seminário Maior de São Mateus, em Carapina, Serra, onde permaneci até 2012. No ano de 2013, depois de treze anos atuando na formação dos seminaristas, fui transferido para a Paróquia de Barra de São Francisco.
Menos de ano depois, fui nomeado bispo pelo Papa Francisco, no dia 6 de novembro de 2013, para a Diocese de Crateús, no Sertão do Ceará, sendo ordenado bispo, na Catedral de São Mateus, no dia 21 de dezembro de2013. Em 4 de janeiro de 2014, tomei posse canônica em Crateús.
Correio9 – Qual é o papel de um bispo?
Dom Ailton – Ser bispo não é, definitivamente, uma promoção de carreira. É, sim, um serviço à Igreja. O bispo deve ser pastor, que cuida, zela e procura manter a unidade do rebanho que lhe foi confiado, sempre em espírito de comunhão com toda a Igreja, na colegialidade apostólica com os demais bispos e, especialmente, com o Santo Padre o Papa, sucessor de Pedro. Ser bispo é tarefa árdua e não privilégio. Ser bom pastor é ter o cheiro das ovelhas, ouvir seus berros, aproximar-se, compadecer-se e comprometer-se com elas.
Correio9 – A entrega à vida religiosa impõe sacrifícios como, por exemplo, muita renúncia. Como o senhor lidou e lida com isso?
Dom Ailton – Tudo isso exige uma certa capacidade para renúncia, o que não se confunde com indiferença, insensibilidade. Não é fácil privar-se ou viver a certa distância de outros amores legítimos, como por exemplo, a família, a terra natal, amigos de infância, ao casamento, filhos etc.
Mas, a renúncia por um “amor maior”, por ter encontrado a “pérola preciosa”, o “tesouro escondido” traduz-se em alegria, liberdade, prazer, doação. Renunciar não é negar o valor de algumas coisas, mas abrir mão delas por outras que se compreende serem ainda mais importantes em nossa vida.
Sou feliz pela escolha que fiz. Não significa que eu não tenha dificuldades, mas as teria também noutra opção de vida. O reencontro com os familiares e amigos de longa data, no período de férias, é sempre revitalizador.
Correio9 – A doutrina da perfeição cristã é bem compreendida?
Dom Ailton – Quanto à compreensão da doutrina da perfeição cristã e os obstáculos para o trabalho evangelizador em nossos dias, são temas complexos. Primeiro, é preciso compreender bem o que é a perfeição cristã, não confundindo-a com perfeccionismo.
O perfeccionismo nos leva à discriminação, ao preconceito, à separação entre perfeitos e imperfeitos, santos e pecadores, puros e impuros, racional e irracional. A perfeição cristã, por sua vez, não consiste na ausência de defeitos.
O perfeccionista entende que ser puro é estar sem pecado. Isso facilmente escorrega para o desumano, pois se coloca acima dos demais, rebaixando-os, menosprezando-os. Isso já é um desvio da própria perfeição.
A perfeição cristã, entendida como busca da santidade, desenvolve a humildade, pois os que buscam a santidade reconhecem suas limitações, não confiando apenas em suas próprias forças, mas colocando sua confiança exclusivamente em Deus. Sentem-se salvos, não por suas obras humanas, mas por graça de Deus.
A humildade é parte essencial da perfeição cristã, da busca da santidade. É fácil falar disso, hoje? Em tempos de intolerância, de extremismos, de fanatismos religiosos não é nada fácil. Há muita confusão entre perfeição cristã e perfeccionismos doentios, que não têm nada a ver com santidade de vida cristã. Nesse sentido, um grande obstáculo para a evangelização em nossos tempos é, exatamente, essa postura de donos da verdade, alimentado nas redes sociais, onde impera um superficialismo que se apresenta como obra de “especialistas”. Especialistas em mediocridades, às vezes, idiotices.
Ainda é bom lembrar que, nem tudo o que é politicamente correto é moralmente aceito pela doutrina cristã.
Correio9 – O que a figura de Pedro representa no momento que o Brasil vive hoje?
Dom Ailton – Em meio a esse cenário, a figura de Pedro, hoje visível no magistério do Papa Francisco, sofre muita contestação. Infelizmente, até a partir de dentro da Igreja Católica.
Eu prefiro acreditar, e acredito, que cada um dos 266 papas eleitos foi uma escolha do Espírito Santo de Deus para cada tempo da história da Igreja. E acredito na promessa de Jesus: as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja. Podem tentar destruí-la. Venha o que vier. Ela permanecerá até o fim dos tempos.
Correio9 – O que Jesus Cristo poderia dizer ao Brasil atual?
Dom Ailton – Nosso Senhor Jesus Cristo, em seu tempo de vida terrena, até chorou prevendo o destino trágico de Jerusalém, por causa da descrença de seu povo. Mas, Jesus não foi um lamuriento. Era um anunciador de esperança.
Creio que, diante de algumas investidas de autoridades, de alguns movimentos com matiz de indiferença religiosa, alguns ateus e mesmos de alguns “fiéis” que apenas crêem no quinto evangelho: Evangelho Segundo Eu, segundo minha interpretação subjetiva, meus gostos pessoais, minhas ideologias… acredito que Jesus faria algumas lamentações.
No entanto, prefiro acreditar que Ele se alegraria com tantas coisas bonitas que nossas igrejas realizam, por tantas vidas doadas, por tantas expressões de solidariedade e partilhas por este imenso território brasileiro.
Jesus não nos impõe nada. Ele nos propõe um caminho de verdadeira realização e alegria plena. Cada um (a), na sua liberdade, faz sua escolha, sem poder culpar a Deus, quando algo dá errado.
Correio9 – Quais são os maiores desafios para um evangelizador?
Dom Ailton – Um grande desafio, em tempos de internet, é a privatização da fé. A fé cristã é pessoal e comunitária. Não apenas pessoal, mas essencialmente comunitária. Então é preciso cuidar para que não nos fechemos em nosso mundinho subjetivo, pessoal, privado, pois assim, nossa fé não seria mais a fé cristã, mas tão somente um sentimento, uma emoção.
Jesus fundou a Igreja para que ela fosse, no mundo, o seu corpo. Não há membro vivo desligado do corpo. Portanto, não há fé autêntica sem vínculo com uma comunidade.
Correio9 – Dom Ailton tem hábitos comuns? Sabe cozinhar, gosta de futebol? O que faz nas horas vagas?
Dom Ailton – Depois de tantas reflexões, a gente poderia se perguntar se na vida de um servidor do Evangelho ainda dá tempo para outras atividades mais lúdicas? É preciso que haja esse tempo. Tudo na vida pede equilíbrio. Eu continuo gostando de algumas atividades que praticava na minha juventude, embora o peso dos anos e outras limitações não permitam a sua prática mais efetiva: futebol (um dia joguei. Hoje assisto pela TV); cozinhar (não morreria de fome por não saber me virar na cozinha); gosto muito de plantas, da natureza e procuro cultivar isto em minha residência episcopal e casa natal no ES; gosto muito de preservar a memória (organizo um pequeníssimo memorial da vida no campo em minha residência natal, lá no Córrego das Flores); leio um bocado; gosto de assistir TV; às vezes vou ao mar, gosto de um churrasquinho em ambientes familiares, com amigos, com os padres; gosto de conhecer novos lugares.
Correio9 – Por favor, envie uma mensagem aos leitores do jornal Correio9…
Dom Ailton – Sou grato a Deus pela minha história de vida, por Sua ação nesta minha história de vida. Agradeço, de modo especial a Ele, por meus pais Pedro e Aurora e por toda a minha família e comunidade de origem. Agradeço pelo povo do Sertão que me ensina tantas coisas com sua amabilidade, generosidade, resistência, fé e alegria. E digo a todos: Não deixem de ter esperança! Eu, você, nós somos os instrumentos de que Deus quer se servir para construir um mundo melhor.
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